Creio que lido bem com a morte.
Minha primeira experiência ocorreu aos 13 anos, quando um câncer levou meu pai, e o velório ocorreu na sala da minha casa. Depois, já quase cinquentão, minha mãe partiu, também lá de casa, para um velório externo e em ambas as situações a reclusão foi a minha escolha. Afinal aprendera que os mortos são maiores que a própria morte, e ficam eternizados em nossos corações.
E nestas horas acabamos relembrando os momento vividos, afinal o instante é de reverência, respeito e de preferência, silêncio (que é sempre uma forma de prece).
Certo? Nem sempre, pois as vezes o morto é figura “dispensável” no velório, e nestes casos a morte é “maior” que o morto. Pois as pessoas ali estão por conta de uma morte, do evento “social”, e não da importância de quem morreu.
Assim ocorreu com o passamento de Marisa Letícia, situação que mostrou uma absurda falta de respeito com ex-primeira dama.
E sinto-me confortável com esta avaliação, pois no momento do anúncio da sua morte cerebral, mesmo não tendo afinidades com a família Silva, exigimos respeito, especialmente nas redes sociais, num artigo intitulado
“O momento de respeitar o ser humano e o cidadão” (tendo eu recebido inclusive críticas e dissabores através do Facebook por conta da defesa da ex-primeira dama).
Contudo sinto agora aquela vergonha alheia, de ter assistido o que jamais imaginaria assistir num velório: a colocação de um morto num segundo plano no seu próprio velório, de forma escancarada …
Seria comum, hoje em dia, banner em velório? Aquela imagem gigantesca estampada em lona, não se produz de um dia para outro. A montagem de uma armação de metal para sustentação daquela imagem, com uma arte muito bem desenvolvida e com ótima definição (para aquele tamanho), deixou uma sensação que estavam preparando uma cerimônia como se fosse um casamento. Assista o vídeo e procure localizar pessoas chorando (claro que a ausência de lágrimas não representa, necessariamente, ausência do dor) … mas procure localizar somente 2 pessoas chorando em meia hora de vídeo.
Microfone em velório? Talvez hoje, dada a minha idade, me falte a memória, mas também não me recordo de ter visto microfone em cerimônias fúnebres.
Agora, uma coisa é certa. JAMAIS vi um discurso político ao lado de um caixão, e as pessoas cercando o discursante, como se a morta ali não estivesse … figura secundária. Dirão alguns, “ora, preocupamo-nos com os que ficam”.
Verdade, mas e as palavras de religiosidade para com a família?Atitudes de recato e silêncio?
Nada disso, num discurso de cerca de 30 minutos, o que se ouviu foram diversos palestrantes utilizando termos como, “corrupção”, “idiotas”, “prisão”, “ direita quer destruir”, enfim pérolas de um … velório! Mas afinal, as pessoas ali estavam para reverenciar Marisa Letícia e familiares , ou para debaterem a Lava-Jato?
Muitos filmando, centenas deles ( como num casamento), e gritando a plenos pulmões “Lula guerreiro do povo brasileiro”.
E a comprovar esta sequência de disparates e falta de educação generalizada, no encerramento do discurso, os presentes aplaudiram … o morto? Não, não … aplaudiram um discursante, comprovando que o fato da morte, neste caso, é mais importante que a figura do morto.
Alguém se recorda do cortejo fúnebre de Ayrton Senna? Uma fila ligava Guarulhos ( onde desembarcara o corpo) até o centro de São Paulo com 1 milhão de pessoas na Marginal Tietê. Cidadãos que choravam, outros acenavam lenços brancos. Comoção jamais vista, mas somente ouvíamos o soluçar da população e o peso das lágrimas na face de uma gente sofrida. A imagem dos bombeiros em dor no caminhão e os aplausos discretos da população no cortejo emolduraram, o cenário do velório que contou com cerca de 250 mil (sim 250.000) pessoas que silenciosamente contornaram o caixão de Senna na Assembleia Legislativa , com RESPEITO E A BOCA CALADA, que foram as notas musicais ouvidas na oportunidade.
Tancredo Neves, também. A saída do cortejo do Hospital das Clínicas até Congonhas, donde o corpo seguiria para terra natal do presidente, mostrava uma São Paulo sofrida, arrasada, que representava o povo de todo Brasil. Podia se ouvir moscas voando.
Mas o velório de Marisa Letícia, transcendeu qualquer lógica ou fé religiosa de qualquer naipe, onde lágrimas de dor foram substituídas por gritos de guerra, onde parecia não haver “espaço” para Dona Marisa naquela sala funerária.
Ela mais parecia uma “intrusa” a atrapalhar o evento do que a figura a ser reverenciada.
Descanse, finalmente em paz Dona Marisa Letícia.
E não se magoe se a senhora cair rapidamente no esquecimento de parte do povo, pois aqui na Terra algumas pessoas estão somente preocupadas em defender suas ideologias e fazer política a qualquer custo e em qualquer momento, seja em reunião de condomínio, jogo de dominó ou enterro.
Mas certamente sua missão já está cumprida, afinal os mortos, para muitos brasileiros, sempre serão muito maiores que a própria morte.
Texto :Roberto Mangraviti
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