Em um recente artigo publicado na imprensa, o sociólogo e acadêmico paulista José de Souza Martins trata de um fenômeno social relativamente recente no nosso pais: a crescente dificuldade para a ascensão econômica. Enquanto que em meados do século XX o filho trabalhava, progredia e alcançava um padrão de vida melhor que o de seu pai e bem superior ao do avô, hoje são felizes os que ainda conseguem viver tão bem quanto seus pais.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil. Na Europa, há quase duas décadas, existe o problema dos jovens que não conseguem emprego fixo. A maioria, sem formação superior, já se conformou com o fato de que não obterão um trabalho regular, com boa remuneração, ao longo de sua vida. Vivem geralmente com os pais e recebem ajuda do Estado. Bem diferente da sorte de seus pais, que nas décadas de 1950 e 1960 viviam em economias de pleno emprego, já que a Europa estava reconstruindo os estragos da Segunda Guerra. A demanda por trabalhadores era tal, que países como a Alemanha e a França importavam mão de obra de outros países europeus e do Norte da África.
Nos Estados Unidos o fenômeno ocorreu de maneira semelhante. Depois de vertiginoso crescimento ao longo dos anos 50, 60 e 70, exportando produtos e o estilo de vida americano para todo o mundo, a economia começou a fraquejar. Alternância de crises e recuperações, associada à automatização e desnacionalização de parte da indústria, somada à transferência das fábricas para o México e, principalmente, para a China, deixaram milhões de americanos desempregados. Grande oferta de empregos para operários (blue collars) e altos salários e comissões para executivos (white collars) já não existem mais para a maior parte da classe média, principalmente depois da crise financeira de 2008. A decepção com o governo Obama e a eleição de Donald Trump, são sintomas da insatisfação de parte da população com esta situação.
Voltando ao Brasil, são diversos os fatores econômicos, sociais e tecnológicos que nos colocaram nesta situação de estagnação da renda. No aspecto social houve rápido crescimento populacional, principalmente a partir dos anos 1950 e aumento do acesso à educação – não que esta fosse de bom nível, mas era (e ainda é) melhor do que nenhuma. Na área tecnológica a partir dos anos 1990 cresceu a informatização e automatização de processos comerciais e industriais. Tais aspectos contribuíram para criar mais concorrência no mercado de trabalho e, consequentemente, reduzir salários. Por outro lado, uma economia burocratizada, engessada por dispositivos legais de todo tipo, além de pouco aberta ao mercado internacional, ajudou também a limitar a criação de maior número de postos de trabalho.
Nos últimos vinte anos a economia brasileira praticamente não se inovou. Foram os períodos de alto consumo – acelerado pela facilidade de crédito e pelos investimentos do Estado em obras de infraestrutura -, que contribuíram para aumentar o número de postos de trabalho. A maior parte destes empregos, no entanto, era de cargos com baixa remuneração (1-2 salários mínimos).
Em todo esse processo, o que mais parece ter crescido nas últimas décadas foi o tamanho do Estado. Aumentou o número de ministérios (para acomodar aliados políticos e membros do próprio partido) e, consequentemente, o número de autarquias, agências e demais órgãos públicos. Não havendo mais tantas estatais onde alocar cabos eleitorais, militantes e filiados – muitas delas, criadas nos anos 1970, haviam sido privatizadas -, foi preciso ampliar a estrutura do Estado. Assim, criada a estrutura, foi necessário contratar profissionais para administrar e operar a máquina estatal com certa competência. Abriram-se concursos públicos para milhares de cargos, pagando salários relativamente altos em relação ao restante do mercado.
Por essa razão os empregos públicos são os mais procurados pelos jovens formados. Melhores salários, estabilidade, regalias dos mais diversos tipos, são atrativos para os profissionais em início de carreira, que não veem muitas possibilidades de ascensão profissional e financeira na iniciativa privada – ainda mais agora, com salários reduzidos. Quais outras oportunidades oferece a combalida economia brasileira para um jovem recém-formado? Enquanto que em outras economias, a posse de um diploma de curso superior é quase certeza de encontrar um emprego com remuneração bastante aceitável para um jovem profissional, por aqui o mercado pouco valoriza o esforço, o tempo e o dinheiro gastos pelo do jovem para obter a titulação.
Voltamos agora ao que tratamos no início de nosso texto. Dadas as condições da economia brasileira nos últimos trinta ou quarenta anos – uma sucessão de “voos de galinha” -, é difícil uma ascensão econômica estável para os indivíduos. A fase de prosperidade é seguida pela de crise; as economias e os bens amealhados nos bons tempos precisam ser gastos na sobrevivência durante o período das “vacas magras”. Não há mais possibilidade de uma crescente melhoria do padrão das novas gerações.
Será este um novo paradigma do moderno capitalismo e de seus capitalismos periféricos, como o do Brasil? Sobre isso há várias teorias. O economista francês Thomas Piketty, em seu livro mundialmente famoso O Capital no século XXI, depois de analisar grande volume de dados, concluiu que há fases na história do capitalismo em que o capital tem maior valorização. Em outros períodos, bem mais curtos é verdade, a remuneração do trabalho é mais alta. De acordo com o economista, estamos em um período de valorização do capital, que teve início nos anos 1980 e deve continuar nos próximos anos, caso não haja reformas nas políticas de taxação da maior parte dos países.
Outra linha de pensamento econômico fala da “estagnação secular”. Segundo esta teoria econômica, a lenta recuperação das economias avançadas, depois da crise de 2008, não é uma exceção limitada ao atual período histórico. Esta tendência deverá se tornar uma situação normal ao longo dos próximos anos. Isto ocorre por diversos fatores, principalmente devido ao pouco controle que os bancos centrais exercem sobre o mercado financeiro mundial.
Teorias, principalmente na área econômica, são baseadas em grandes generalizações sobre os fatos; não são previsões. Mas, além do que preveem as teorias, o que podemos dizer às futuras gerações quanto às suas aspirações e seus planos de vida melhor? Será que um dos fortes argumentos das vantagens do capitalismo em relação a outros sistemas, de que cada geração viveria em melhores condições do que a precedente, não existe mais?
Texto: Ricardo Ernesto Rose
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Imagem: Comunidade Estrela da Manhã