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Perigo em dobro

Em economia, são considerados “bens complementares” aqueles que, normalmente, são consumidos juntos. São o pé esquerdo e o direito de um sapato, o arroz e o feijão, o computador e o sistema operacional, a lapiseira e as minas de grafite, entre outros. Ou seja, são aqueles bens que se complementam, como o nome já diz.

Os “bens substitutos”, ao contrário, são como o chá e o café, a manteiga e a margarina, feijão preto e feijão carioca, gasolina e etanol (para carros flex), taxi e Uber, etc. Quando um não está disponível ou o seu preço aumenta, é possível, até certo ponto, consumir o substituto.

Por um lado, quando o preço de um bem aumenta, espera-se que a quantidade demandada pelo seu complementar diminua, pois são consumidos em conjunto.

A quantidade demandada pelo bem substituto, por outro lado, espera-se que aumente nesse caso.

Ao se levar em conta o efeito de um aumento no preço de um bem sobre a quantidade consumida do outro e sobre a renda, chega-se ao que se chama de bens substitutos ou complementares “brutos”.

No entanto, esse tipo de definição nem sempre é simétrico, de forma que um bem “A” pode ser substituto para um bem “B”, ao passo em que este é complementar de “A” (SNYDER; NICHOLSON, 2012). É o caso do álcool e do fumo.

Fumou

Tabela 1 – Indivíduos que consumiram fumo e álcool, segundo dados da POF –  2008

 

De acordo com os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008, apenas um, em cada dez fumantes consumiu bebidas alcoólicas, enquanto cerca de um quarto dos indivíduos que consumiram bebidas alcoólicas era fumante.

Pesquisas indicam que o consumo de álcool tende a levar ao fumo, pois o efeito estimulante do tabaco compensaria o efeito calmante do álcool (DECKER; SCHWARTZ, 2000). De qualquer forma, essa é uma relação assimétrica, porque o consumo de tabaco não necessariamente leva ao consumo de álcool. Assim, situações que envolvem bebidas alcóolicas — como estar em um bar com os amigos — são favoráveis e até mesmo “pedem” um cigarro.

Daí surge o conceito de “fumante social”, isto é, aqueles que fumam apenas de modo ocasional, normalmente em festas e em bares, raramente sozinhos (SCHANE; GLANTZ; LING, 2009).

Nos Estados Unidos, é mais comum encontrar fumantes sociais entre mulheres jovens, melhor educadas, de maior renda e vindas de grupos minoritários, afro-americano ou hispânico (HASSMILLER et al., 2003).

No Brasil, no entanto, não parece haver grande diferença entre homens e mulheres nesse aspecto do fumo social.

Observa-se que 10,5% dos homens fumantes consumiram bebidas, e 27% dos homens que consumiram bebidas também fumaram.

Fumou Bebeu

Tabela 2 – Homens que consumiram fumo e bebidas alcoólicas, segundo dados da POF –  2008

 

Já para as mulheres, do total de fumantes, 9,79% consumiram bebidas, enquanto, entre as que beberam, 25,4% também fumaram.

Fumo Bebida Dummy

Tabela 3 – Mulheres que consumiram fumo e bebidas alcoólicas, segundo dados da POF – 2008

 

Olhando para os dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, a situação não muda muito.

Cerca de 69% dos fumantes do sexo masculino consumiram cigarros industrializados diariamente, 13% o fizeram menos de uma vez por dia e 18% consumiram outro tipo de fumo, por exemplo, charuto, narguilé, cigarros de palha ou enrolados à mão.

 

Frequencia de Fumo e de cigarros

Tabela 4 – Frequência de fumo de cigarros para homens e mulheres, segundo dados da PNS – 2013

 

Para as mulheres, 72% fumaram pelo menos um cigarro industrializado por dia, 11% fumaram menos do que isso, enquanto 17% utilizaram outro produto.

Em relação às pessoas que fumaram menos de um cigarro por dia, que representam 30% do total de fumantes, é interessante notar algumas particularidades.

Frequentemente, quem tem esse comportamento não chega a se considerar um fumante quando questionado (assim como alguns “light smokers”) e apresenta pouco interesse em parar, acreditando ser capaz de fazer isso quando bem entender. Além disso, pode subestimar os riscos à sua saúde, imaginando ser imune aos efeitos adversos do tabaco (SCHANE; GLANTZ; LING, 2009).

Um dos problemas é que, normalmente, as estratégias de cessação de tabagismo são desenvolvidas tendo em vista fumantes diários, deixando a categoria dos não diários (que abrange os fumantes sociais) fora de foco.

Em parte, isso ocorre porque essa última é vista como um comportamento transitório de iniciação ao tabagismo ou de tentativa de parar, quando, na verdade, pode tratar-se de um padrão estável de consumo (SCHANE; GLANTZ; LING, 2009).

Estudos sugerem que, à medida em que a sociedade for implementando políticas de combate ao tabagismo, por exemplo, restrições a locais de fumo, será mais comum encontrar comportamentos de fumo não diário (SCHANE; GLANTZ; LING, 2009).

No Brasil, essas restrições vêm crescendo nos últimos anos.

Está cada vez mais difícil encontrar locais adequados para a prática. A lei Antifumo nº 12.546/2011, por exemplo, impede o fumo “nos locais parcialmente fechados em qualquer um de seus lados por uma parede, divisória, teto ou toldo”.[1] Portanto, mesmo nas mesas do lado de fora de um bar, pode ser proibido fumar, desde que haja um toldo ou uma parede.

Bebidas destiladas

Figura 2 – Bebidas destiladas, de maior teor alcoólico, estão mais fortemente ligadas ao tabagismo

 

Falando em bar, a relação de complementariedade bruta entre o álcool e o fumo é ainda mais forte dentro do grupo das bebidas destiladas, como a pinga, a vodka, cachaça, uísque, entre outras. Um dos motivos talvez seja que esse tipo de bebida costuma apresentar um teor alcoólico maior.

Consumiram Fumo e Bebida

Tabela 5 – Indivíduos que consumiram fumo e bebidas destiladas, segundo dados da POF – 2008

 

Consumiram Fumo e Bebida Fermentadas

Tabela 6 – Indivíduos que consumiram fumo e bebidas fermentadas, segundo dados da POF – 2008

 

Assim, apenas 25% dos consumidores de bebidas fermentadas fumaram, contra cerca de 37% dos consumidores de bebidas destiladas.

Nesse sentido, DECKER e SCHWARTZ (2000) encontraram, para a cerveja e o cigarro nos EUA, um resultado curioso. Embora o cigarro complemente a cerveja, esta é um substituto dele.

Uma consequência prática disso, seria, por exemplo, o efeito de um imposto que elevasse o preço da cerveja. Ao diminuir o consumo de cerveja, ele também levaria a uma diminuição do consumo de cigarros.

Porém, um imposto que elevasse o preço do cigarro, embora reduzisse o consumo de cigarros, poderia levar a um aumento do consumo de cerveja, sendo a cerveja, em parte, um substituto dele.

Portanto, para entender o efeito de políticas antifumo, é importante estudar a relação de um bem com os outros, se são consumidos juntos ou separados, o que acontece com a demanda de um quando muda o preço do outro, etc. Afinal, sem levar em conta tais relações, pode haver consequências inesperadas. Além da cerveja e do cigarro, outros merecem atenção, como o tabaco e a maconha, por exemplo.

Além disso, alguns padrões de comportamento, como o dos fumantes não diários e, em especial, do fumante social, podem passar desapercebidos, gerando distorções no número de fumantes, quando estes não se considerarem como tais.

 

[1] <http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/leiantifumo/index.html>.Acesso em: 22 jan. 2018.

Figura 1(Capa) – Fumo e bebida alcoólica são considerados bens complementares

 

Texto do Internauta: Rafael Monteiro
contato@sustentahabilidade.com.br

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