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Comercializar drogas a céu aberto, pode?

Ação de repreensão da polícia de São Paulo na Cracolância, em conjunto com a Prefeitura de São Paulo, dirigida por João Doria, gerou uma chuva ácida nas redes sociais.

Independente do resultado que esta ação poderá gerar junto aos dependentes químicos, um imenso resultado já foi alcançado, pois trouxe para o centro do debate diário, um tema esquecido há anos: a vergonhosa Cracolândia.

Há aqueles, que no campo da psicologia e medicina, contestam a forma arbitrária da remoção da população de dependentes químicos.

Este colunista, não possui conhecimento científico para abordar este lado da questão, que tampouco é o foco da análise que aqui segue.

Mas cabe focar questões de estratégias e gestão, sem com isso desrespeitar as figuras humanas envolvidas, e para tal, vamos aos fatos.

Há anos existe a Cracolândia no Centro de São Paulo.

Na citada região, havia uma permissividade implícita, que deixava claro que “aqui tudo pode”.

A comprovar esta desordem e inconcebível bagunça social, drogas eram comercializadas como bananas numa feira, seres humanos como mortos vivos, perambulavam como fantasmas do além sob vistas grossas de policiais, pois afinal, o que restava fazer ? Prender todos ? Afinal “aqui tudo pode” , já estava socialmente convencionado entre os atores.

Havia ate uma certa “glamorização”,na medida que estava se criando.

“espaços culturais” para que os usuários pudessem participar de atividades sem serem molestados.

Esta permissão ao ilícito, é a pior postura comportamental que uma sociedade pode se impor, pois empurra novos candidatos ao vício degenerador, além de simultaneamente estabelecer uma nova norma de conduta, onde o atual usuário, seguirá consumindo sem ser molestado, abrindo lacunas comportamentais de concordância com outros ilícitos, com por exemplo, a corrupção.

Cabe ainda seguir nos seguintes questionamentos …
Em algum momento nos últimos anos, houve algum recuo na proliferação do comércio de drogas naquela ou em outras regiões?

Em algum momento, houve algum plano ou estratégia que tenha sido aplicada, com sucesso para o recuo do consumo?

Em algum momento, os usuários de drogas foram defendidos publicamente diante da desgraça em que suas vidas miseráveis se tornaram?

E quanto a violência da remoção, teria sido maior do que a própria violência diária de suas vidas?
Para estas perguntas, uma única resposta: NÃO em solene maiúsculo.

A partir destas constatações, é perfeitamente lógico preconizar que, em gestão, seja pública ou privada, quando todas as medidas anteriores não geraram resultados, uma nova atitude deve ser tomada, absolutamente diferente das anteriores.

E qualquer comentário que se faça, antes do tempo minimum minimorum, para avaliação dos resultados das novas medidas, é de uma nulidade sem precedentes e de irresponsabilidade cidadã maior, diante dos insucessos obtidos em medidas anteriores, e do novo status de “normalidade social” que havia se estabelecido com a desgraça alheia, vivida pelos miseráveis entregues ao vício.

Portanto a medida de “invasão” da Cracolândia, é uma medida de guerra focada no combate ao tráfico, da qual o usuário ali largado é como um alvo civil lamentavelmente atingido por um míssil.

O usuário (infelizmente) neste estágio das coisas, é secundário, e trataremos deste ponto mais adiante(*)

E com já destacamos, quando se questiona o sucesso do combate ao uso de drogas, não encontramos, um único caso de estratégia bem sucedida.

Grande jornais celebraram em 2008, a criação na cidade do Rio de Janeiro das UPP’s- Unidades da Polícia Pacificadora, um dos maiores engodos, no longo prazo, produzidos neste país.

Engodos? Óbvio, e não faltam motivos para classificar de engodo, a saber.

Não está na missão em nenhuma polícia do mundo, pacificar!

A missão mor de um órgão policial, está em patrulhar para inibir a prática de crime (nas sociedades mais evoluídas) , e reprimir e reter nas sociedades mais atrasadas.

Ou seja, ao escolherem profissionais policiais, por mais que tenham sido preparados para “pacificar”, se equivale ao mesmo equívoco de colocar um médico de Pronto Socorro num consultório de clínica de emagrecimento. Não é o perfil profissional adequado.

Até porque se há necessidade de ”pacificar”, é porque obviamente estamos em uma guerra.

E que guerra é esta ? A chamada “Guerra do Bilhão” .

Sim, bilhão. Pois estima-se que somente na Rocinha no Rio de Janeiro, há um comércio de R$ 1 bilhão de reais, anualmente, com o tráfico de drogas.

Como é possível, imaginar a “pacificação” de pessoas que guerreiam por este bilhão de reais, fazendo-os desistir deste negócio com conversas doces e sociais? Uma hipocrisia elementar.

As UPP’s portanto, no passado, “empurraram” e dispersaram o tráfico para outras áreas, que naturalmente, naquele momento se afastaram( até por conta da imagem “olímpica” que se criara), para retornarem nos dias de hoje, aos mesmos movimentos violentos de tiroteios e balas perdidas nas comunidades .

Estará o leitor atento, questionando que a atitude praticada na Cracolândia em São Paulo está sujeita ao mesmo insucesso?

Talvez não.

Pois, o que a Prefeitura está buscando é impor uma estratégia, que já está em curso, pautada em alguns pontos.

O primeiro deles : deixar claro que agora há uma estratégia (certa ou errada, ainda não sabemos), deixando claro que não havia estratégia nenhuma, ou se havia era perfumaria e que portanto agora, as coisas mudaram de patamar e acabou a conversa com a convivência com o ilícito na parte administrativa da cidade.

E para tal situação, faz-se necessário chacoalhar o limoeiro e derrubar todos os frutos, bons ou ruins, caracterizando uma “data” de nascimento de uma nova situação. Assim sendo, a partir de hoje, vida nova na administração naquela área.

O segundo: abre a ferida com canivete, provocando dor no debate, reações, questionamentos, que em tese poderão, por cutucar a ferida, pressionar a sociedade para uma decisão, respondendo uma questão … é aceitável existir uma Cracolância a céu aberto?

Já sabemos a resposta desta questão, que estava varrida para debaixo do tapete nos últimos anos.
Ou seja já há uma mudança em curso de paradigma social.

O terceiro: se a tese das UPP’s cariocas de “empurrar com a barriga” forem verdadeiras, não estaria Doria, simplesmente mudando os traficantes de lugar?

Certamente SIM, mas poderá também, estar iniciando um combate mais veemente a esta crise social, empurrando-a para fora da cidade e retirando da seara municipal um grande problema.

Pois em última análise combate ao tráfico, é uma questão federal e de segurança nacional, e não compete ao município arcar como esse ônus.

O quarto: fortalece o laço entre a Prefeitura e a Polícia, pois segurança é uma necessidade fundamental de uma cidade relegada ao abandono, e mostrar que a “tropa” é bem vinda ao “jogo”.

Isto é estratégico, mesmo que esta tropa não esteja treinada, preparada e cometa equívocos, por vezes graves … mas é a tropa que temos.

E numa guerra ( e estamos em uma, não nos enganemos), temos que contar com todos os soldados, bons e ruins.

Ou teria Hitler, requisitado somente os “grandes” arianos?

Negativo … fez do fracasso da primeira guerra o início da segunda, valorizando a tropa combalida.

E por fim, há que se considerar o seguinte ensinamento quando se trata de uma doença fatal, como as drogas são.

Um oncologista, quando encara um paciente portador de um câncer, aplica quimioterapia em doses cavalares, atacando assim as células dendríticas adoentadas.

Contudo, o medicamento não “escolhe” a célula cancerígena, atacando simultaneamente a célula sadia e a célula doente.

Enfim, as células boas “pagam o pato” , recebendo a agressividade do tratamento como se estivessem doentes.

Assim sendo, o “oncologista” João Doria, está combatendo este câncer, atacando todas as células com quimioterapia agressiva.

Portanto as “células” que estão sendo sacrificadas, são os usuários da Cracolândia, que certamente não são o foco da ação higienizadora ( ao invés de higienista como alguns “filósofos” imaginam).

O foco da ação, são as células podres, também chamadas de traficantes.

Se dará certo ? Ninguém sabe, somente o tempo dirá.

Na pior hipótese, será mais uma tentativa que não deu certo, pois pior do que estava não fica.

Texto: Roberto Mangraviti
contato@sustentahabilidade.com.br

(*) O Portal SustentaHabilidade possui duas colunistas psicólogas especialistas em drograditos, Nancy Peres e Raquel Arantes, que respondem pela coluna “Dependência Química”, orientando internautas e combatendo esta grande chaga social, desde 2015.
Além do mais, fundamos e mantemos a Escola de Habilidades, também desde 2015, que acolhe ex-moradores de rua (muitos em situação de risco quanto ao uso de drogas) procurando mitigar a dor destes cidadãos.

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Escrito por Roberto Mangraviti

Economista e Facility Manager em Sustentabilidade. Editor, diretor e apresentador do Programa Sustentahabilidade pela WEBTV. Palestrante, Moderador de Seminários Internacionais de Eficiência Energética, Consultor da ADASP- Associação dos Distribuidores e Atacadistas do Estado de São Paulo e colunista do site do Instituto de Engenharia de São Paulo.

A cocaína e o desmatamento na América Central.

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