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A Lei Arouca e o Direito dos Animais

Recentemente, a Cidade de São Roque foi palco de um grande conflito entre ativistas da proteção animal e o Instituto Royal, em cujas dependências eram mantidos cães da raça beagle, entre outros animais, que, segundo denúncias, sofriam maus-tratos. Esse acontecimento colocou novamente em pauta a questão da utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica.

 

No Brasil, a Lei n° 11.794/2008, mais conhecida como Lei Arouca, regulamentou esse tipo de prática, permitindo a criação e utilização de animais em testes e experimentos laboratoriais, cujos procedimentos devem atender aos critérios e exigências legais.

 

De acordo com essa Lei, o Ministério de Ciência e Tecnologia é o responsável por licenciar instituições e fiscalizar o cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de cobaias, sendo auxiliado pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) e, subordinado a este, a Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), cuja constituição deverá ser prévia à prática de atividades de ensino e pesquisa científica que os utilizam.

 

Com a justificativa da utilização humanitária de cobaias, a Lei em comento passou a permitir que a vida desses animais fosse destinada e sacrificada, ainda que com um mínimo de sofrimento físico ou mental, em prol da Ciência e da humanidade. Sendo assim, as condutas investidas contra esses seres vivos dentro dos ditames legais, não infringiriam o inciso VII do §1o do Art. 225 da Constituição Federal, bem como não configurariam crime de maus-tratos, previsto no Art. 32 da Lei n° 9.605/98.

 

Por outro lado, a própria Lei Arouca prevê a possibilidade de introdução de técnicas alternativas que possam substituir, quando possível, a utilização de animais nessas atividades científicas. Atualmente, existem métodos substitutivos eficientes e eficazes para a maior parte dos testes feitos em seres vivos. Contudo, observa-se a falta de interesse e investimento, tanto do setor público quanto do privado, para o desenvolvimento, aquisição, validação, aceitação e adequação de novas tecnologias e recursos científicos.

 

Ao contrário do que ocorre no Brasil, na União Europeia, a partir de 11 de março de 2013, a adoção de técnicas alternativas, quando possíveis de serem adotadas, passou a ser obrigatória, restando vedada a importação e a venda de quaisquer produtos e ingredientes, cujos testes tenham sido realizados em animais.

 

Portanto, se há alternativas capazes de substituir a utilização de seres vivos na maioria das pesquisas e experimentos, as empresas e instituições de ensino, que desenvolvem tais procedimentos, deveriam ser compelidas a emprega-las, ou, no mínimo, quando não for possível essa substituição, agir dentro dos ditames da bioética, sendo rigorosamente fiscalizadas.

 

Portanto, é chegada a hora de sopesar os princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais, bem como os direitos básicos, como a vida, a liberdade e a integridade psíquico-física de qualquer animal, a fim de que o seu sofrimento, ainda que mínimo, não seja mais tolerado e consentido pela sociedade.

 

Daí por que, se nada for feito para mudar essa cruel realidade, episódios como o resgate dos 178 cães da raça beagle se repetirão constantemente, haja vista que, enquanto alguns são resgatados, outros nascerão e farão às vezes daqueles que tiveram suas vidas tolhidas. E o círculo vicioso continuará.

 

 

Milena Rupiani Bonetto

 

 

Advogada, pós-graduada em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental, Membro das Comissões de Direito Ambiental e de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB de Santo Amaro.

 

E-mail: direito@sustentahabilidade.com.br

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Escrito por Milena Rupiani Bonetto

Advogada, Pós-graduada em Negócios, Comércio e Operações Internacionais pela FIA/USP e em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental. Master in International Management pelo Institut d’Administration des Entreprises (IAE). Membro das Comissões de Direito Ambiental e de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB-SP

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